Descentralização democrática do Estado

Condições, autonomia<br>e regionalização

A descentralização de competências exige a recuperação e afirmação plena da autonomia do poder local, um quadro claro de condições que enquadrem essa transferência, um regime de financiamento com os meios apropriados.

Descentralizar implica o poder de executar mas também o poder de decidir

Em síntese, é este o enunciado de princípios em que assenta a perspectiva do PCP sobre a descentralização democrática do Estado, processo que em sua opinião implica necessariamente também a criação das regiões administrativas.

É esta avaliação e corpo de ideias que estruturam um conjunto de propostas consubstanciadas em cinco iniciativas legislativas, cujo conteúdo foi dado a conhecer pela deputada comunista Paula Santos no decurso de uma declaração política que proferiu em nome da sua bancada, no dia 15, véspera da aprovação em Conselho de Ministros de uma proposta de descentralização de competências para as autarquias e entidades inter-municipais, abrangendo áreas como a educação, saúde, acção social e áreas portuárias.

Ao levar o tema a plenário a bancada comunista quis à partida deixar bem claro que, hoje como no passado, a sua posição é de intransigente defesa e valorização da autonomia do poder local, «em coerência com uma organização do Estado assente na descentralização», capaz de responder «com maior eficácia às exigências» de prestação de melhor serviço público – e com isso melhorar a «qualidade e condições de vida das populações».

E porque a descentralização é «um dos princípios constitucionais para a organização do Estado», a parlamentar do PCP considerou que o mesmo não se coaduna com «calendários precipitados», como parece ser o que o Governo quer impor, exigindo, sim, uma «reflexão séria, profunda e alargada».

Paula Santos frisou, por outro lado, que a descentralização de competências deve ter por objectivo a melhoria da «acessibilidade e da qualidade do serviço público», bem como a elevação da capacidade e da eficiência de resposta aos problemas e necessidades das populações.

Respeitar autonomia

Outro aspecto central colocado pela deputada comunista é o que se refere às condições exigíveis para o pleno exercício das competências no quadro da descentralização e no rigoroso respeito pela autonomia do poder local.

Aliás, a experiência do passado a este respeito não é propriamente «promissora», como bem assinalou Paula Santos, que exemplificou: soluções que foram condicionadas pela «ausência de um nível de poder determinante no quadro da delimitação de competências»; «persistente subfinanciamento» das autarquias ou «contínuo arbítrio» de incumprimento de regimes financeiros; restrições e ingerência na autonomia do poder local, cenário este agravado sobremaneira num passado recente.

Por saber que este quadro de asfixia financeira criou dificuldades à capacidade de intervenção das autarquias a bancada comunista defende que a «primeira prioridade» deve assentar na reposição das condições que permitam que as actuais competências possam ser realizadas.

Assegurar meios

Para o PCP, a descentralização de competências exige, por um lado, a «identificação e avaliação dos seus impactes e sua perspectiva de evolução, quanto às condições financeiras, humanas, organizacionais e materiais», e, por outro lado, a garantia de «autonomia administrativa e financeira das autarquias».

Sem isso, advertiu Paula Santos, o que se faz é «transferir novos encargos e problemas não resolvidos, cuja resolução permanecerá comprometida».

«Descentralização não pode significar a desresponsabilização do Estado, não pode corresponder à transferência de encargos e de descontentamento das populações relativamente ao que é incómodo para o Governo, passando o odioso para os outros», sublinhou a deputada do PCP, rejeitando de forma categórica que possa de alguma maneira ser posta em causa a «universalidade de funções sociais do Estado e de direitos constitucionais» ou «introduzir mais desigualdades e mais assimetrias entre os territórios».

Sem deixar de valorizar a «proximidade e o conhecimento da realidade concreta», a parlamentar salientou não ser essa porém a «questão central», mas sim a «garantia dos meios adequados para dar a resposta à altura de cada situação ou problema concreto».

O mesmo vale para o princípio da subsidariedade, com Paula Santos a observar que a sua aferição não se faz «pelo nível mais próximo de exercício de uma determinada competência, mas sim pela identificação do nível de administração que está em melhores condições de a exercer com proximidade».

Paula Santos fez ainda questão de esclarecer as diferenças entre «descentralização, desconcentração e transferência de competências» – há quem insista intencionalmente e não por ignorância em tratar os diferentes conceitos «como se fosse tudo a mesma coisa», criticou –, sublinhando que «descentralizar implica o poder de executar mas também, e indispensavelmente, o poder de decidir».

O que faz falta...

Em resposta à deputada do PSD Berta Cabral, que se questionara sobre o facto de o PCP apresentar na AR um «discurso e um modelo distintos» do que é defendido pelo Governo, Paula Santos teve de lembrar, pela enésima vez, desmontando o sofisma, que o Grupo Parlamentar do PCP tem a sua «própria análise, diagnóstico, as suas posições e propostas» e é com essa premissa e postura que «intervém» neste e em todos os outros debates. Frisou, aliás, que sobre este tema da «descentralização, da organização do Estado», há muito que o PCP tem propostas sobre o mesmo, «não acordou agora para esta matéria».

A propósito, aproveitou para dizer à deputada do PSD que não faz sentido falar de descentralização, nem falar de organização do Estado sem colocar a questão da criação das regiões administrativas.

«Hoje há um conjunto de atribuições e competências que não estão bem na administração central, mas a solução também não passa pela administração local», realçou, o que do seu ponto de vista mostra bem a falta que faz a existência de regiões administrativas.

Antes, na intervenção inicial, Paula Santos considerara já que «não é possível avançar para um efectivo, racional e sustentado processo de descentralização sem a instituição das regiões administrativas, como prevê a Constituição».

Lembrara também que a regionalização cumpre três objectivos essenciais de uma verdadeira política descentralizadora, a saber: «dá coerência e delimita» atribuições e competências entre os vários níveis da administração (central, regional e local); potencia uma política de desenvolvimento regional envolvendo as autarquias e agentes económicos; garante a defesa da autonomia do poder local.

Dar condições é fundamental

Embora haja uma aparente concordância das forças políticas representadas na AR quanto ao princípio da descentralização, a grande questão para o PCP continua a residir nas condições em que se opera essa descentralização, nomeadamente quanto às «questões financeiras, humanas, organizacionais, materiais». É que, explicou Paula Santos – e com isto respondia à deputada do PS Susana Amador, que perante um Estado «demasiado centralista» defendeu «um salto qualitativo» que cumpra os «dispositivos constitucionais em relação à descentralização, à autonomia do poder local e à subsidariedade» –, as autarquias estão ainda numa situação complicada decorrente do que foram as opções políticas do anterior governo PSD/CDS-PP, não podendo essa realidade deixar de ser tida em conta. Aliás, observou, essa consideração tem de ser feita no actual contexto para o exercício das competências que já hoje as autarquias têm que assegurar. Daí o PCP entender que neste debate, para além de enunciação das competências que o poder local deve ter, é «preciso ver as condições para o fazer».

Já ao deputado do CDS Álvaro Castelo Branco, que falara da necessidade de um «amplo debate público» prévio à criação das regiões administrativas, vendo por isso como «prematura» a apresentação de uma iniciativa sobre esta matéria, Paula Santos fez notar que o PCP – ao contrário do que fez o CDS-PP e o PSD no governo, em que tomaram um conjunto de opções contra a vontade das populações e ignorando a posição dos órgãos autárquicos, como foi a extinção de freguesias –, deseja ver as suas propostas «amplamente discutidas, abrir este debate da descentralização e regionalização».

A deputada comunista não deixou até de registar a falta de nexo da pergunta do deputado do CDS-PP, uma vez que, recordou, a Constituição no seu artigo 256.º exige a consulta popular para a criação das regiões administrativas – e é nesse sentido que vai a proposta do PCP.

E reiterou que o PCP quer este debate, ao contrário das bancadas à direita, a quem acusou de «não o quererem fazer» e de optarem por «manter um Estado concentrado», depois de terem encerrado muitos serviços desconcentrados do Estado e com isso criado «imensas dificuldades às populações e aos territórios, contribuindo para maiores desigualdades e assimetrias».

Propostas do PCP

Uma proposta de «lei-quadro» que defina com rigor as condições para a transferência de competências para as autarquias, seu exercício e articulação entre vários níveis da administração, constitui um dos projectos de lei a formalizar em breve pela bancada comunista, que tem concluído um outro sobre um novo «regime de financiamento» (Lei de Finanças Locais) que respeite o «princípio constitucional da justa repartição de recursos do Estado», garanta a estabilidade da sua aplicação, e recupere os «níveis de financiamento negados por incumprimentos e cortes de montantes».

Paula Santos referiu que um terceiro projecto de lei diz respeito à criação da autarquia metropolitana com competências centradas na «articulação, planeamento e coordenação de funções e redes de dimensão metropolitana, que rompa com o modelo híbrido de entidade associativa municipal de carácter forçado».

Entregues no Parlamento serão, ainda, duas iniciativas de criação das regiões administrativas, «como condição maior de uma estratégia de descentralização, com fixação de calendário e metodologia que assegure a sua efectivação em 2019».




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